Ontem protectorado, hoje colónia, amanhã nação

A Frente de Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC) pediu hoje a adesão à Liga Árabe e criticou o “silêncio” europeu face às “políticas repressivas” de Angola, acusando países da CPLP (Portugal é o principal) de cumplicidade com Luanda.

Por Orlando Castro

“A FLEC-FAC pede a adesão de Cabinda, no seio da Liga Árabe, ao estatuto de membro observador da organização e apela aos 22 países membros da Liga Árabe, bem como ao Rei Salman ben Abdelaziz Al Saoud, da Arábia Saudita, e ao Rei Mohammed VI de Marrocos, para deixar de reconhecer a soberania de Angola sobre Cabinda e mostrar solidariedade para apoiar politicamente os Cabindas, para depois internacionalizar a luta de Cabinda”, refere um comunicado assinado pelo secretário-geral, Jacinto António Télica.

O movimento independentista alega que o problema de Cabinda “não é um problema interno de Angola, mas é um problema de agressão”, considerando que “Angola é uma potência ocupante”.

A FLEC-FAC denuncia ainda a “hipocrisia e o silêncio inaceitável da União Europeia face à política repressiva, autoritária e tirânica de João Lourenço”, naquele território do norte de Angola (anexado em 1975 com a conivência de Portugal) e acusou “alguns Estados-membros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) de serem cúmplices com Luanda, por isolar politicamente a questão cabindense no plano internacional”.

Por isso, continua, “precisa do apoio diplomático da Liga Árabe para combater o isolamento político de Cabinda a nível das Nações Unidas” e “usará todos os meios legítimos para atingir seus objectivos” sem excluir, como acontece há décadas, a luta armada.

Cabinda, onde se concentram a maior parte das reservas petrolíferas de Angola, não é contígua ao restante território e desde há anos que líderes locais defendem a independência, alegando uma história colonial autónoma de Luanda.

A FLEC, através do seu “braço armado”, as FAC, luta pela independência do território, alegando – com razão – que o enclave era um protectorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano.

Cabinda é delimitada a norte pela República do Congo, a leste e a sul pela República Democrática do Congo e a oeste pelo Oceano Atlântico.

Seja qual for o ponto de vista da análise, é matéria de facto que Portugal honrou desde 1885 até 1974 o compromisso assumido com os cabindas, razão pela qual em matéria constitucional incluiu Cabinda na Nação portuguesa, fazendo-o de forma autónoma e bem diferenciada de outras situações coloniais.

De facto, e ao contrário das teses unilaterais dos descolonizadores que tomaram o poder em Portugal em 1974, no artigo da Constituição Portuguesa referente à Nação Portuguesa sempre constava, sempre constou, que o território de Portugal era, na África Ocidental, constituído pelos Arquipélagos de Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe, Forte de S. João Baptista de Ajudá, Guiné, Cabinda e Angola.

Na Lei Orgânica do Ultramar (designação que substituiu a referência às colónias), de 1972 (portanto, dois anos antes da Revolução de 1974), diz-se de forma clara que o território português se compunha das províncias com a extensão e limites que constarem da lei e dos tratados (Simulambuco, obviamente) ou convenções internacionais aplicáveis.

Apesar de alguma amnésia colectiva, sempre apetecível quando toca a não assumir responsabilidades, muitas das gerações que ainda hoje estão no activo da política portuguesa, aprenderam a completa e inequívoca separação, tanto jurídica como administrativa, que a Constituição reconhecia com força de lei para o território de Cabinda.

Recorde-se, sobretudo aos que teimam em que uma mentira dita muitas vezes acaba, mais cedo ou mais tarde, por se tornar verdade, que até meados do século passado, por exemplo, quem viajasse de avião ou navio e que passasse por Cabinda a caminho de Luanda, ou ao contrário, passavam por uma alfândega, o que só é entendível à luz de serem dois territórios distintos.

Aliás, o Governador-Geral de Angola ou um Secretário Provincial sempre de deslocaram a Cabinda na data do aniversário do Tratado para presidir, junto ao monumento de Simulambuco, às cerimónias que reforçavam e validavam o que fora assinado pelas autoridades portuguesas de então.

É certo, igualmente, que em 1955, para facilitar a administração do território, Cabinda foi considerada como um distrito de Angola. Apesar disso, e reconhecendo que de facto se tratava de um mero expediente administrativo, Portugal reafirmava que Cabinda não era Angola, citando a esse propósito que se mantinha o articulado que constava da Constituição.

O general Silvino Silvério Marques, que foi Governador-Geral de Angola, entre 1962 e 1965, afirma que o ministro Silva Cunha, (a propósito da preparação do Estatuto Político-Administrativo da Província de Angola de 1963) por ordem do chefe de Governo, António de Oliveira Salazar, indagou o Governador-Geral de Angola no sentido de saber se concordava que Cabinda, administrada então como distrito de Angola, passasse a ter um estatuto especial de autonomia.

Ouvido o Conselho Económico-Social de Angola, Silva Cunha recebeu uma resposta negativa, situação que assim se manteve durante os 13 anos da guerra colonial.

Ou seja, ficou visível que a administração de Cabinda como um distrito de Angola era uma situação meramente burocrático-administrativa, nunca tendo Portugal alterado o espírito a e letra do Tratado de Simulambuco.

Em tudo, aliás, a situação de Cabinda relativamente a Angola era na altura da Revolução de 1974 similar, ou até coincidente, com a dos protectorados belgas do Ruanda e do Burundi em relação ao Congo Belga. Estes tornaram-se independentes.

Em 1961, altura em que se inicia a luta armada pela independência de Angola, em Cabinda – ou melhor, tendo cabindas como protagonistas – existia apenas um movimento independentista que, contudo, excluía a luta armada como meio para atingir esse fim. O diálogo com Portugal era a sua única arma.

Também Timor-Leste levou a efeito um referendo que permitiu que o território, embora sob suposta administração portuguesa mas de facto ocupado militarmente pela Indonésia, se tornasse independente, depois de ter sido uma “província” indonésia.

Terá Cabinda similitudes com Timor-Leste? E com o Kosovo?

Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por não se falar dele que ele deixa de existir. E se, como aconteceu em Janeiro de 2010, para se falar é preciso pôr a razão da força à frente da força da razão… que outro remédio têm os cabindas?

Cabinda é um território ocupado por Angola e nem a potência ocupante como a que o administrou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.

Quando o governo português reconheceu formalmente a independência do Kosovo, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, o socialista Luís Amado, disse que “é do interesse do Estado português proceder ao reconhecimento do Kosovo”.

O ministro português apontou quatro razões que levaram à tomada de decisão sobre o Kosovo: a primeira das quais foi “a situação de facto”, uma vez que, depois da independência ter sido reconhecida por um total de 47 países, 21 deles membros da União Europeia e 21 membros da NATO, “é convicção do governo português que a independência do Kosovo se tornou um facto irreversível e não se vislumbra qualquer outro tipo de solução realista”.

Deve ter sido o mesmo princípio que, em 1975, levou o Governo de Lisboa a reconhecer o MPLA como legítimo e único governo de Angola, embora tenha assinado acordos com a FNLA e a UNITA. O resultado ficou à vista nos milhares e milhares de mortos da guerra civil.

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